Para especialistas alterações da validade e pontuação da CNH vão ajudar o mau motorista, se não houver maior rigor na fiscalização
A Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei 3267/19 que altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Entre as principais alterações está a ampliação de cinco para 10 anos da validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) a motorista com idade inferior a 50 anos. Para o condutor acima dos 50 anos, a renovação deve ser feita a cada cinco anos. E aqueles com mais de 70 anos, a renovação será feita a cada três anos.
Essa era uma demanda apresentada pelos caminhoneiros ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) quando ele ainda era candidato às eleições presidências. O argumento é que o custo para a renovação da CNH e dos exames toxicológicos são ônus para a categoria.
A pontuação na CNH também foi alterada no PL. Na regra atual, os condutores são suspensos se acumularem 20 pontos na carteira em 12 meses. Pelo substitutivo, a suspensão será de 20 pontos se constar duas ou mais infrações gravíssimas. E 30 pontos se constar uma infração gravíssima, ou 40 pontos se não houver nenhuma infração gravíssima. Mas para o condutor que exerce atividade remunerada, como os caminhoneiros, a suspensão vai ser com 40 pontos, independentemente da natureza das infrações. Isso vale ainda para motoristas de ônibus, taxistas, motoristas de aplicativo e mototaxistas. O projeto de lei, aprovado na Câmara, aguarda votação do Senado.
O impacto do PL aprovado
Para o mestre em direito do estado pela PUC-SP, consultor e professor de legislação de trânsito, Julyver Modesto, há alguns contrassensos no substitutivo. Um deles diz respeito à ampliação da renovação da CNH.
Para o especialista em trânsito se no substitutivo o exame médico para renovar a CNH for realizado de maneira efetiva, não há problema algum no tempo de validade. Mas isso significa que na renovação médicos e especialistas terão de analisar a fundo critérios sobre as condições físicas e psicológicas do condutor.
“Do ponto de vista da segurança viária, o mais importante é que os exames sejam realizados sob dois aspectos técnicos. Um deles para determinar se o motorista está apto ou não para dirigir por 10 anos. E o outro para avaliar por quanto tempo o exame deve ser renovado. E isso só um médico especializado em medicina de tráfego pode avaliar”.
Por outro lado, Modesto explica que há uma alteração positiva no CTB que vai ao encontro do tema. Os Detrans e os conselhos regionais de psicologia e medicina terão a obrigatoriedade de fiscalizar os profissionais de saúde que atuam nessa área pelo menos uma vez por ano, caso o PL seja aprovado”.
Mais rigor com a saúde dos condutores
O médico e diretor científico da Abramet (Associação Brasileira de Medicina do Tráfego), Fávio Adura, concorda que a alteração da lei só terá sentido se houver mais rigor na fiscalização e nos exames médicos na hora de renovar a CNH.
O médico afirma que há doenças, muito além das oftalmológicas, como cardíacas, ou relacionadas à saúde do sono e neurológicas que podem ocasionar acidentes de trânsito. Ele ressalta que um a cada oito acidentes fatais que acontecem no mundo é consequência do estado de saúde do motorista.
“Por essa razão o PL estabelece ainda que os médicos que atuam na área da medicina de tráfego, mas que não têm essa especialização, terão o prazo de até três anos para se tornarem especialistas”, diz o médico.
Para Adura também deve haver mais rigor com os condutores que deixarem de informar suas reais condições de saúde aos médicos na hora da renovação da habilitação.
Transportadores concordam que só treinamento é eficaz
Para a diretora administrativa e financeira da Transportadora Transjordano, Joyce Bessa, os testes para a renovação da carteira são bem simples.
“Não há filtros para averiguar se o motorista é apto ou não para dirigir com segurança. E as empresas de transporte é que acabam realizando esses testes. É necessário que os motoristas recebam cursos relacionados à segurança e a educação no trânsito a cada renovação”.
Para Bessa ampliar o tempo da CNH mantendo o mesmo modelo de renovação existente não faz sentido. Ela explica que para ser condutor da Transjordano, empregado ou terceirizado, os profissionais fazem testes na hora da contratação. Mas conteúdos desses mesmos testes são aplicados nos cursos de reciclagem que a empresa promove, justamente por serem mais rigorosos.
Um dos testes é o palográfico, que consiste em avaliar as condições psicológicas do candidato. Segundo a diretora da Transjordano por ele é possível até avaliar se o motorista tem traços de alcoolismo, por exemplo. O teste de atenção concentrada, como o nome sugere, avalia o nível de atenção do condutor.
“Os testes para renovar a CNH deveriam ser mais rigorosos, porque só dessa maneira haverá eficácia com relação a segurança no trânsito”, conclui a executiva.
Novas regras podem ajudar bons motoristas profissionais
O diretor de finanças da GVM Solutions Brasil, Felipe Medeiros, não acredita que o PL se aprovado vai ajudar maus motoristas. Para ele vai beneficiar os bons condutores.
“Existe excesso de radares em algumas rodovias. E muitas vezes com diferentes velocidades. E isso dificulta o dia a dia do motorista. Por mais que ele dirija bem e esteja sempre atento, o caminhoneiro anda por regiões que nem sempre ele conhece. E isso não vai coibir acidentes. O que impede de o motorista não dirigir corretamente é o limitador de velocidade instalado no caminhão ou mesmo a unidade de torre de controle das gerenciadoras”.
Na GVM Solutions, que trabalha com motoristas próprios e terceirizados, há programas de treinamento para todos os profissionais. Eles consistem em direção econômica, defensiva, de legislação, etc. Além disso, a empresa promove campanhas de segurança no trânsito. A atual, chamada “Sem celular você vive” tem a intenção de coibir o uso de celular no trânsito.
Ampliar a pontuação da CNH incentiva o mau motorista
Modesto avalia que o percentual de motoristas que cometem uma ou mais infrações é pequeno em relação ao tamanho da frota. Mas é essa pequena parcela que será beneficiada caso a lei seja aprovada.
“O bom motorista continuará sendo responsável no trânsito e vai evitar penalidades. Essa regra só beneficia o mau condutor. O risco que ele tem de perder a CNH com 20 pontos será o mesmo com 40 pontos porque não haverá mudança de comportamento. O que altera é que ele cometerá mais infrações sem ser punido”, acrescenta.
O contrassenso do PL pode impactar a segurança viária
Modesto lembra que há um trecho na lei, e que não foi alterado no PL, que vai impactar de forma negativa a segurança viária.
Desde 2015 foi incluso no CTB o curso preventivo de reciclagem. Até aquele ano sua função era punitiva, ou seja, o motorista para ter a CNH de volta por excesso de pontos tinha de fazer esse curso. A partir de 2016, ele passou a ser facultativo. Motoristas com CNH nas categorias C, D e E que atingem de 14 a 19 pontos no prontuário podem solicitar a reciclagem ao Detran. E ao conclui-lo a pontuação é zerada.
Isso significa na lei atual que, se o motorista dentro do prazo de 12 meses tiver 19 pontos na carteira e fizer o curso, sua pontuação é zerada. “Isso abre precedentes para que em um ano esse condutor cometa muito mais do que 20 infrações. Com o proposto no PL, em que motoristas profissionais terão suspensão só quando atingirem 40 pontos, se com 39 pontos ele pedir o curso, a quantidade de infrações vai mais que dobrar”, lembra o consultor ao acrescentar que “nesse aspecto a PL não favorece a segurança viária”.
Exames toxicológico para todos os motoristas
Para o caminhoneiro Thiago Rodrigues que transporta cargas do interior para a capital paulista, a ampliação da pontuação da CNH vai ajudar o motorista profissional, sobretudo aqueles que rodam nos grandes centros expandidos. Locais onde ele considera haver “uma indústria de multas”.
Mas o autônomo acredita que ampliar a validade da habilitação é desnecessário. Ainda mais no caso de motoristas profissionais, que para dirigir têm que estar com a saúde em dia. “O que nossa classe gostaria mesmo é que a renovação fosse mais em conta. O exame toxicológico é um custo adicional. Mas jé que ele deve ser feito, então deveria envolver todos os motoristas, independentemente de ser ou não profissional. Todos dividem o mesmo espaço no trânsito. Não faz sentido só quem é profissional ter que fazer esse exame”.
Estradão apurou com uma auto-escola em São Paulo quanto custa para renovar a CNH na categoria E. O primeiro passo é fazer o exame toxicológico pelo valor médio de R$ 170. Com esse exame em mãos, o condutor é encaminhado para fazer o exame médico. E tem de desembolsar mais R$ 200. E o processo de renovação junto ao Detran, mas intermediado pela auto-escola, custa em torno de R$ 180.
Exame toxicológico
O presidente queria extinguir a exigência para motoristas profissionais das categorias C, D e E, o teste toxicológico. Mas ele foi mantido. Os motoristas profissionais continuam obrigados a realizar o teste a cada dois anos. O teste é também obrigatório quando o condutor vai obter a CNH em uma dessas categorias ou na renovação.
Quem for pego dirigindo veículos dessa categoria sem apresentar o exame toxicológico periódico será multado. A PL estipula uma multa de cinco vezes o valor da infração gravíssima, 7 pontos, suspensão de dirigir por três meses e apresentar teste refeito para a suspensão ser retirada.
Fonte: Estradão, Estadão (https://estradao.estadao.com.br/servicos/novas-regras-para-cnh/) | Escrito por: Andrea Ramos | Foto: Estradão, Estadão